quarta-feira, 6 de julho de 2011

ESTUDOS DOUTRINÁRIOS / A IGREJA DE ROMA



A Igreja de Roma

I.       A Razão da Carta
II.    O Início da Igreja em Roma
III.  A Igreja em Roma na Época da Carta de Paulo

                                     Palavras-chaves

                           Roma; Crentes judaicos; Crentes gentios; Justiça; Justificação.

                                         Introdução

A Carta de Paulo aos Romanos, segundo M. Lutero, é a principal composição literária do Novo Testamento e a mais pura descrição dos ensinos dos Evangelhos. O impacto que as magistrais palavras desta carta causaram no “Cisne de Eisleben” fê-lo afixar, na capela de Wittemberg, as “noventa e cinco teses”. Outros estudiosos têm encontrado semelhante conforto e segurança salvífica ao estudar os temas doutrinários em Romanos: A justiça divina; a universalidade do pecado; a fé; a salvação; a justificação; a santificação; Adão e Cristo; a salvação de Israel; e o ministério cristão. Segundo Lutero, a carta aos Romanos é “tão valiosa que um cristão não só deveria saber de memória cada palavra, mas tê-la consigo diariamente, como o pão cotidiano de sua alma”.



1.    Autor:  Paulo.
1.1. A Chamada de Paulo: “Cristianismo não é religião; é relação”. Eis a declaração favorita dos protestantes.Paulo não teria nenhuma querela com esta caracterização da vida cristã, visto que, para ele, o cristianismo era intensamente pessoal. O que mais esperaríamos, considerando a natureza de sua “conversão”? Ele não foi ganho em meio a debates ou por ouvir testemunhos de crentes. Nem ao ver Estêvão ser apedrejado por sua fé a convicção de Paulo sobre o cristianismo foi mudada (At 7.54—8.1). Ele foi surpreendido pelo próprio Jesus, que o enfrentou na estrada de Damasco, e o chamou (At 9.1-9). Por conseguinte, ele se caracteriza como “chamado [...] apóstolo” e “servo de Jesus Cristo” (Rm 1.1).
      A chamada de Paulo não foi só pessoal, mas também específica: Ele tinha de ser apóstolo para os gentios (Rm 1.5; cf. Gl 1.15,16). Embora Pedro, João e Tiago tivessem reconhecido que Paulo fora chamado para este tipo de ministério (Gl 2.9), sua mensagem aos gentios acerca da liberdade em Cristo, sem consideração das observâncias judaicas, suscitou a crítica de judeus de dentro e de fora da Igreja. Em com seqüência, no transcurso da redação de  Romanos, Paulo esmera-se em defender a natureza do seu apostolado (e.g., veja Rm 1.1-6). O apóstolo afirma seu amor por seu povo (Rm 9.1-3; 10.1), e também descobre que ele vê sua missão gentia como meio de instigar o ciúme dos judeus para que eles se cheguem a Cristo (Rm 11.13-15).


2. Destinatários da Epístola


2.1. Característica dos Destinatários: Roma, o centro do Império Romano, atraia visitantes e colonos de todo o império e além fronteiras. A composição do grupo de crentes que se encontravam na grande cidade refletia seu status como cidade imperial e cosmopolita. De fato, as várias distinções humanas que Paulo declarava inválidas em Cristo — “não há judeu nem grego; não há servo [escravo] nem livre; não há macho nem fêmea” (Gl 3.28) — descrevem habilmente a audiência de Paulo. Por exemplo, julgando pela alta porcentagem dos que em Roma tinham sido escravos, ou ainda o eram, e pela quantidade de nomes de escravos que aparece na lista de crentes romanos no capítulo 16, o contingente cristão dos que tinham formação escrava era bastante grande (veja os comentários sobre Rm 6.15-23).


a) Crentes judaicos: O primeiro contingente de crentes romanos era predominantemente judaico. Como era o padrão em outros lugares, o estabelecimento de uma igreja cristã aconteceu dentro da comunidade judaica. Sabemos por Atos que a missão cristã foi centrada inicialmente na sinagoga sempre e onde quer que fosse possível (At 11.19-21; 13.5,14). Do estimado um milhão de pessoas que morava em Roma no século I d.C., algo entre quarenta e cinqüenta mil eram judeus. Das evidências das catacumbas judaicas em Roma, a população judaica foi segregada em várias comunidades, cada qual se centralizava numa sinagoga local e tinha seu próprio corpo administrativo.
      Este era o ambiente no qual o cristianismo floresceu em Roma. Os cristãos-judeus primitivos teriam permanecido associados às suas sinagogas locais, em decorrência das várias igrejas formadas nas casas dos crentes, que teriam crescido em volta do bairro judaico. Este legado ainda é evidente quando Paulo escreve aos Romanos. Na saudação aos crentes em Roma ele identifica vários agrupamentos de pessoas que presumivelmente representam igrejas que se reuniam em casa (Rm 16.5,10,11,14,15). O fato de que não havia um corpo de crentes em Roma pode explicar a razão de Paulo nunca se referir aos crentes romanos como igreja.



b) Pedro Não Estabeleceu a Igreja Romana: A despeito da tradição da igreja primitiva, Pedro não estabeleceu a igreja romana. Não há evidência bíblica que apóie esta teoria. Atos nos leva a crer que o ministério de Pedro permaneceu centrado em Jerusalém durante o tempo em que o cristianismo começou a penetrar a cidade imperial no período depois do Pentecostes. Além disso, se Pedro tivesse fundado a igreja, então se esperaria alguma referência de Paulo a ele.
O aparecimento do cristianismo em Roma foi precedido por relatórios de judeus que viajavam da Judéia a Roma sobre o que foi dito e feito por Jesus de Nazaré. Outrossim, havia os judeus romanos em Jerusalém, que celebraram o Pentecostes logo após a crucificação de Jesus. Alguns deles testemunharam o resultado de o Espírito Santo ter vindo sobre os cento e vinte crentes (At 1.15; 2.1-4,10,11), e eles com certeza teriam informado o que viram e ouviram quando voltaram para casa. Realmente, pode ter havido alguns judeus romanos entre os três mil que foram batizados em resposta ao sermão de Pedro naquele dia (At 2.41). Em todo caso, não demoraria a que outros judeus que creram em Cristo viajassem a Roma. É quase certo que foi assim que a comunidade cristã foi estabelecida na capital.

 



c) As Igrejas Domésticas: Nos dias em que Paulo escreveu Romanos, as igrejas que se reuniam em casa estavam assumindo um caráter cada vez mais gentio. Se estivermos corretos em colocar a data da escrita da carta em meados dos anos cinqüenta, então este é o período no qual muitos judeus, inclusive cristãos, estavam voltando a Roma e tentando reintegrar-se na sociedade romana. Em 49 d.C., o imperador Cláudio tinha decretado que os judeus fossem expulsos de Roma por causa de distúrbios no bairro judaico. Como o historiador romano Suetônio escreveu setenta anos depois do evento, “porque os judeus de Roma estavam se entregando a constantes revoltas sob a instigação de Cresto, ele os expulsou da cidade” (Cláudio). Visto que é amplamente crido que “Cresto” seja alusão a “Cristo”, a perturbação provavelmente tinha algo a ver com a oposição entre certos judeus à mensagem do evangelho. Atos 18.2 registra que dois dos judeus expulsos foram Áqüila e Priscila. O decreto teria caducado com a morte de Cláudio em 54 d.C., se não antes, e assim os judeus predispostos a voltar teriam começado a fazê-lo. Um dos desafios que Paulo enfrentou nesta carta era tratar do problema que estes judeus cristãos teriam tido ao voltar a igrejas que tinham se tornado menos judaicas com a ausência deles.

3. Data e Lugar

É muito mais simples estabelecer o lugar da carta de Romanos dentro da vida e obra de Paulo do que ser específico sobre a data em que a carta foi escrita. Há um consenso geral de que a escrita de Romanos ocorreu em algum tempo em meados a fins dos anos cinqüenta.
Há um acordo muito difundido de que Paulo estava em Corinto quando ele ditou Romanos a Tércio (Rm 16.22). Paulo estava na região da Macedônia e Acaia na época da escrita, visto que ele tinha acabado de fazer a coleta para os santos de Jerusalém das igrejas daquela região, mas ainda não tinha começado a viagem a Jerusalém (Rm 15.25-28). Além disso, algumas das pessoas que ele menciona na lista de saudações sugerem que ele estava em Corinto quando escreveu.


TABELA
1)         Febe, a mensageira que levou a carta de Paulo para Roma, era diaconisa em Cencréia — o porto oriental de Corinto, a uns onze quilômetros de distância (Rm 16.1,2).

2)         Gaio, o anfitrião de Paulo na época da escrita (Rm 16.23), pode ser o mesmo Gaio a quem Paulo batizou em Corinto (1 Co 1.14).

3)         Erasto, que enviou saudações junto com Gaio para a igreja romana (Rm  16.23), pode ser o indivíduo associado com Corinto em Atos 19.22 e 2 Timóteo 4.20.





         3.1. Romanos no Contexto Missionário de Paulo: Para o intérprete de Romanos, um enten­dimento de onde esta carta se encaixa no contexto da vida e ministério de Paulo é de muito maior importância que uma solução para o problema de onde e quando Romanos foi escrito. Antes de ele escrever esta carta, o apóstolo já expressara aos coríntios seu desejo de pregar o Evangelho nas terras além deles (2 Co 10.16) — presumivelmente, Paulo quis dizer sobre as regiões mais a oeste da Acaia. Uma das razões de Paulo escrever à igreja romana é para informá-la de que seu antigo desejo está a ponto de se concretizar. Em Romanos 15.17-24, Paulo explica que ele já teria ido viajar a oeste, para Roma, mas foi atrasado por causa de sua meta em completar sua pregação à leste deles, isto é, a região de Jerusalém ao Ilírico (parte da região da ex-Iugoslávia). Quanto à possibilidade de Paulo ter ministrado no Ilírico (não mencionado em Atos), ou até às suas fronteiras, é ponto discutível.
Mas antes de o apóstolo ir a Roma, ele deve ter entregue aos santos em Jerusalém a coleta que ele reuniu das igrejas predominantemente gentias na Macedônia e Acaia (Rm 15.25,26). Sabemos pela correspondência de Paulo com os coríntios que ele dava grande importância a esta coleta (1 Co 16.1-4; 2 Co 8—9). Não é surpresa que ele esteja um pouco ansioso acerca da viagem a Jerusalém agora que está imediatamente diante dele. Ele pede as orações dos crentes romanos para a viagem, porque ele tem inimigos na Judéia e porque está apreensivo de que a coleta não seja considerada aceitável pelos santos de lá.
Por trás de sua preocupação que a dádiva das igrejas gentias seja considerada aceitável por seus destinatários está a constante tensão entre Paulo, o apóstolo para os gentios, e outros crentes judeus que discordavam das práticas missionárias de Paulo. ele já tinha enfrentado oposição dos cristãos judeus que estavam centrados em Jerusalém (At 15; Gl 2). De significância aqui é o fato de que um dos resultados do Concílio de Jerusalém — uma reunião convocada para debater a questão sobre o que os gentios são obrigados a fazer depois da conversão — foi o requisito de que eles se lembrassem dos pobres (Gl 2.10; i.e., os pobres de Jerusalém). Antes de Paulo empreender nova fase ministerial, ele está ansioso em cumprir essa exigência e levar a um encerramento adequado de seu ministério no leste, oferecendo uma expressão generosa da preocupação das igrejas gentias pelos irmãos judeus. Isto, Paulo espera, fixará as relações entre as igrejas da Diáspora e a Igreja em Jerusalém, num sólido fundamento antes que ele deixe a região.
Quando ele escreve aos Romanos, não pressente que um dia ele chegará a Roma em cadeias. Mas seu receio sobre a viagem a Jerusalém são bem fundadas. Certos judeus da Ásia incitaram tanta oposição a Paulo em Jerusalém que ele foi preso e subseqüentemente enviado a Cesaréia como prisioneiro para ser julgado por Félix, o procurador da província romana da Judéia. Paulo permanece prisioneiro em Cesaréia por pelo menos dois anos (At 24.27), em cujo tempo Félix é substituído por Festo. Paulo apela a César quando comparece perante Festo e, assim, o apóstolo finalmente chega a Roma como prisioneiro à espera de julgamento (At 25.1—28.31).

4. Ocasião e Propósito

4.1. Distinção entre Epístola e Carta: Antes de discutirmos por que Paulo escreveu Romanos, devemos enfatizar que Romanos é uma carta. Desde a obra de A. Deissmann (1912), que comparou os documentos do Novo Testamento com textos do mundo greco-romano, é comum diferençar entre epístola e carta. Uma epístola é uma composição escrita na forma de carta, mas diferentemente de uma carta em si, não trata das particulares de uma situação local. Ainda que Romanos tenha semelhança mais próxima de uma epístola que quaisquer das outras cartas de Paulo, é uma carta. Foi ocasionada pelas situações do apóstolo e da comunidade cristã em Roma. De fato, como veremos, a razão por que Romanos se assemelha tão de perto a uma epístola relaciona-se diretamente com as circunstâncias do escritor e dos destinatários.

   4.2. Propósito de Romanos: Não há consenso entre os estudiosos sobre o propósito de Romanos. A confusão começa com Paulo: Ele cita diferentes razões para escrever no começo da carta do que ele faz no fim. Os estudiosos diferem freqüentemente sobre qual destas razões é o verdadeiro propósito da carta. Mas se for retirada a presunção de que deve haver um único propósito de Romanos, então a tarefa é simplificada. Por que deveríamos presumir que Paulo só tem uma razão em mente para compor esta carta? Afinal de contas, seus propósitos derivam de sua situação e da dos crentes romanos.

ü  Propósito Missionário: Paulo é um missionário com aspirações de futuro trabalho evangelístico na Espanha. As congregações romanas que se reuniam em casa são importantes para o apóstolo, porque ele quer que Roma sirva de base de apoio para este novo projeto (Rm 15.23-29). Mas Paulo não tem autoridade apostólica sobre a comunidade romana de crentes, visto que ele nunca ministrou lá. Um dos propósitos desta carta é apresentar seu ministério e mensagem. É por isso que, como observamos antes, grande parte de Romanos é tão sistemática. Paulo está desenvolvendo uma explicação longa e lógica de sua mensagem. Contudo, não é um tratado sistemático porque ele nunca perde de vista sua audiência romana. Sua consciência deles e suas preocupações particulares brotam em vários pontos, mesmo quando ele está no meio de um argumento extenso. Paulo espera que esta carta venha a ser bem recebida e pavimente o caminho para sua chegada. Ele não tem garantia de uma recepção positiva, considerando que a crítica do seu ministério e mensagem circulou amplamente em conseqüência da oposição dos judeus. Assim, esta carta é mais que uma explicação de sua mensagem; é também uma defesa.
Mas Paulo tem algo mais em mente do que apenas usar a igreja romana como ponto de partida ou como sede de seus empreendimentos evangelísticos alhures.

ü  Propósito Pastoral: Há um propósito pastoral por trás desta correspondência. No início da carta ele os informa de sua intenção em lhes dar um dom espiritual. Paulo está ciente da tensão entre cristãos judeus e gentios em Roma, e é por isso que ele se sente compelido a lhes oferecer o tipo de ministério para o qual ele, apóstolo judeu para os gentios, foi chamado. Seguramente ele tem essa situação em mente enquanto apresenta os argumentos nos capítulos 1 a 11 sobre a igualdade de judeus e gentios em termos de justiça. E ele mostra que tem conhecimento da tensão entre eles quando aplica a mensagem dos capítulos 1 a 11 nos capítulos 12 a 15, onde a relação entre judeus e gentios é o ponto focal destes
ü  últimos capítulos.

5. Tema



5.1. A Justificação pela Fé: Desde a Reforma é comum identificar a justificação pela fé como tema de Romanos e do centro da teologia paulina. Não obstante, isto é exagerar seu papel em Romanos e sua importância para o pensamento paulino. A justificação pela fé é central ao argumento de Paulo em Romanos 1.18 a 5.21 que judeus e gentios são igualmente culpados diante de Deus, com o resultado de que ambos só podem ser salvos pela fé. É com base na fé em Cristo que o indivíduo será declarado justo, ou será justificado, no julgamento.
A justificação pela fé é um conceito dominante em só duas cartas paulinas: Romanos e Gálatas. Há uma razão para isso. A justificação é um conceito do Antigo Testamento, e é aplicável nessas cartas, porque ambas lidam com assuntos de importância particular para os judeus. Pela mesma razão, Paulo faz uso extenso de citações do Antigo Testamento e alusões em ambas as cartas (veja esp. Rm 9—11, onde o tópico é a justiça de Deus para Israel). Quando Paulo se dirige a uma congregação gentia, ou pelo menos uma na qual assuntos judaicos não são significativos, ele prefere falar de crentes como aqueles que estão em Cristo em vez daqueles que foram justificados pela fé.






b) A Justiça de Deus: Se procurarmos um tema que se sobressaia na carta, então teremos o conceito da justiça de Deus. De fato, a justificação pela fé é um aspecto deste tema mais amplo. Em Romanos 1.16,17, Paulo delineia o assunto da carta: “[No evangelho] se descobre a justiça de Deus”. O que Paulo faz em Romanos é descrever a natureza da justiça ou da obra salvadora de Deus (veja comentários em Rm 1.16,17). Podemos resumir o conteúdo da carta assim:

TABELA
Conteúdo                                                                              Referência

                     A justiça de Deus cancela a pena do pecado         Rm 1.18—5.21.
                     A justiça de Deus quebra o poder do pecado
                        pela morte de Cristo e pela capacitação do Espírito
                        que habita em nós                                                    Rm 6.1—8.39.
                     A justiça de Deus é atuante hoje e no futuro
                        para com seu povo escolhido                                  Rm 9.1—11.36.
                     A justiça de Deus, sua obra salvadora,
                         vivenciada por judeus e gentios igualmente         Rm 12.1—15.13.




        





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